quinta-feira, 2 de abril de 2015

Como John Lennon e Cynthia Powell se conheceram

Cynthia Powell começou a estudar na Liverpool College of Art em setembro de 1957. Ela acabara de completar 18 anos e estava feliz por, depois da morte de seu pai, ter a chance de estudar arte. Já no primeiro ano, Cynthia começou a namorar Barry, um antigo colega de escola. Barry era considerado o “Romeu” do bairro, de modo que Cynthia virou motivo de inveja entre as meninas que os conheciam. No final do primeiro ano, ela teve de escolher em que áreas se especializaria. Cyn optou pela área gráfica, mas também se inscreveu nas aulas de caligrafia, duas vezes por semana.
Cynthia e sua cunhada, em 1956
Cynthia começou o seu segundo ano de faculdade ainda mais eufórica e feliz. Sua aparência estava mais suave e delicada, – muito por ter dispensado os serviços de uma amiga cabelereira de sua mãe, que nunca fizera o que se pedia  -, comprou calças pretas de veludo e as trocou pela saia em tweed e passou a ficar o maior tempo possivel sem óculos, mesmo que para isso tivesse de descer em pontos de onibus errados ou não conseguir ler as notícias da faculdade.

Todos os lugares estavam ocupados para a primeira aula de caligrafia do ano quando entrou na sala um teddy boy com as mãos nos bolsos do casaco, andar preguiçoso e parecendo entediado. Ele se sentou em uma cadeira, atrás de Cynthia, que estava desocupada, deu um tapinha em suas costas, fez uma careta estranha e disse “Oi, eu sou John”. Cyn apresentou-se, enquanto o professor, que ja havia começado a aula, olhava com um olhar desaprovador. Cynthia já havia visto John na faculdade inúmeras vezes, mas nunca haviam se falado. Eram completamente diferentes. Enquanto Cyn não perdia aula e corria para casa quando ela terminava, John matava aula frequentemente para ir à pubs com os amigos.

John nunca levava nenhum material e, logo que as atividades da aula começaram, ele deu outro tapinha nas costas de Cyn para pedir um lápis e uma borracha emprestados. Depois dessa dia, frequentemente John se sentava atrás de Cynthia para pedir tudo que precisasse. Embora, na maior parte do tempo, John não fizesse nada além de brincadeiras, fazendo os outros rirem. Ele não havia optado por fazer caligrafia, mas fora obrigado depois que todos os outros professores se recusaram a admiti-lo. John dizia para quem quisesse ouvir que não queria estar alí, e fazia de tudo para atrapalhar: provocando os outros, fazendo comentários maldosos sobre o professor ou provocando gargalhadas generalizadas com seus desenhos engraçados. Cynthia nunca pensou em se aproximar de John. Para ela, ele não passava de mais um rapaz de aparência delinquente, calças apertadas e um velho casaco surrado que mal tirava do corpo. Ela estava apavorada com a idéia de virar mais uma vítima dos comentários francos de John. E isso não demorou para acontecer. Logo ele começou a chamá-la de “Senhorita Powell” e a zombar de suas roupas elegantes e do sotaque refinado.
Logo na primeira vez que John zombou de suas roupas, Cynthia saiu correndo da sala no final da aula. Estava com o rosto vermelho de raiva e desejando que ele desaparecesse. Mas, algumas semanas depois, ela começou a ficar ansiosa pelas aulas de caligrafia, já que era o único lugar em que se encontravam. Ela corria para as aulas procurando por John. O seu jeito desinteressado e o humor mordaz começaram a fasciná-la. Ele era agressivo, sarcástico e rebelde. Aparentava não ter medo de ninguém e podia rir de tudo e de todos.
O primeiro elo entre John e Cynthia foi criado em razão da miopia que compartilhavam. Logo estavam rindo do azar e dos erros que cometiam por não enxergarem direito e não demorou muito para passarem as aulas de caligrafia conversando. John costumava chegar à aula com um violão pendurado nas costas e disse à Cyn que estava em uma banda chamada The Quarrymen. Depois da aula ele ficava tocando canções de Chuck Berry, Bo Diddley ou Lonnie Donegan. Foi na música que Cynthia conseguiu ver um outro lado de John Lennnon: seu rosto ficava suave e perdia toda a expressão de cinismo.

Na metade do segundo ano escolar de Cynthia, ela percebeu que estava se apaixonando por John. Foi então que ela começou a se censurar. Não podia, de forma alguma, pensar na possibilidade de um teddy boy se interessar por ela. Entretanto, isso mudou num dia em que todos os outros haviam saído da sala de aula e ela estava juntando as suas coisas. John estava sentado a alguns metros com seu violão no colo. Ele começou a tocar “Ain’t She Sweet”, música que, anos mais tarde, seria regravada pelos Beatles.

“Oh, ain’t she nice?
  Well look her over once or twice.
  Yes I ask you very confidentially: 
  Ain’t she nice? 
  Just cast an eye 
  In her direction. 
  Oh me oh my, 
  Ain’t that perfection?”

A música nem havia chegando ao fim e Cynthia já estava vermelha. Deu uma desculpa qualquer e saiu correndo da sala. O olhar fixo de John em Cyn enquanto tocava a música parecia declarar tudo que ele sentia. Ela contou para Phyl, uma amiga em comum, o que tinha acontecido e Phyl tratou logo de dizer que ele não era o seu tipo e que não fosse tão estúpida em achar que poderiam ter alguma coisa. Phyl e John moravam perto e iam juntos para a faculdade no ônibus 72. Embora tivesse que lhe emprestar dinheiro para a passagem com frequência, ela gostava dele, mas achava que ele não tinha nada a ver com Cynthia. Além do mais, já estava de casamento marcado com Barry, mas os seus planos com ele ficavam cada vez mais para segundo plano. Cyn fazia de tudo para não ver Barry e sonhava acordada com John durante a semana inteira, esperando pelas aulas de caligrafia, que pareciam demorar cada vez mais.

As coisas começaram a mudar quando Cynthia viu John olhando para uma menina na hora do almoço. Ela estava com uma saia preta apertada e um longo cabelo loiro. Depois de assobiar, John comentou com um amigo “Ela parece muito a Brigitte Bardot”. No sábado seguinte, Cyn foi até o mercado e comprou a última tinta em tom loiro da Hiltone e pintou o cabelo. Na segunda feira, logo ao chegar no colégio, ela percebeu que o plano deu certo quando John comentou “Olhe só para você, Senhorita Hoylake”. Certa tarde, os alunos foram chamados ao auditório para uma discussão. John se sentou próximo de Cynthia, e ela teve certeza de que estava realmente apaixonada por ele quando, em um gesto puro de amizade, Helen Anderson – uma amiga em comum entre eles – se inclinou para a frente e passou a mão carinhosamenteem seus cabelos. Cyn sentiu um ciúme que nunca acontecera antes. Mas, embora fossem colegas de caligrafia e conversassem sempre durante a aula, passavam o tempo livre na faculdade com grupos diferentes de amigos e se ignoravam o tempo inteiro. Para Cynthia, John era completamente inalcançável.
As férias já estavam chegando e a turma estava agitada. Alguém decidiu sugerir que fizéssem uma festa na hora do almoço, antes de partirem. Um professor, Arthur Ballard, deu permissão para usarem a sua sala, com a condição de que pudesse ir também. Os alunos arranjaram um toca-discos e dividiram as despesas com as cervejas. Cynthia achava que John não iria à festa, mas estava ansiosa pelo recesso escolar e determinada a superar sua paixão por ele. No dia da festa, fazia muito calor e o sol invadia a sala. Os alunos empurraram as mesas e cadeiras para um lado, arrumaram as comidas e as bebidas e colocaram alguns discos para tocar. Cerca de quinze pessoas estavam na festa. Àquela altura, vários romances estavam aparecendo. Então, John entrou na sala. Cynthia sentiu seu rosto queimar e seu estômago contorcer, enquanto fingia que não tinha notado sua presença. Ele caminhou diretamente em sua direção e disse “Você quer se levantar?”. Cyn estava vermelha de vergonha, mas se levantou para dançarem juntos. Enquanto um disco de Chuck Berry tocava, John gritou “Você gostaria de sair comigo?”. Ela ficou tão nervosa com a inesperada proposta que disse “Desculpe, mas estou noiva de um rapaz em Hoylake”. Cynthia queria que o chão a engolisse quando disse isso, sabia que tinha soado arrogante. Então, John gritou “Porra, eu não pedi para você casar comigo, pedi?”. Ele virou as costas e saiu. Cyn ficou arrasada achando que tinha estragado tudo até que, duas horas depois, no fim da festa, John e seus amigos a convidaram para ir, junto com sua amiga Phyl, à um pub que os alunos constumavam frequentar. Ela tratou de convencer Phyl de que deveriam ir e seguiram para o Ye Cracke.
Cynthia e John ao lado do pub Ye Cracke
O Ye Cracke Pub estava cheio e mal conseguiam conversar em meio a algazarra. Cynthia e Phyl nunca tinham ido ao pub. Elas sempre iam para casa depois das aulas, como boas garotas que éram. Elas estavam fascinadas com a vida social estudantil: o barulho, as risadas, a atmosfera excitante. John estava em um canto com dois amigos e não fazia menção de se aproximar. Elas encontraram alguns amigos e estavam conversando, mas depois de alguns black velvets – a mistura de cerveja Guinness com sidra – Cynthia começou a ficar tonta e decidiu que era melhor pegar o trem para casa. Ela estava triste e desapontada por John não ter conversado com ela. Achava que ele a convidara para ir ao pub apenas por diversão. Porém, quando ela estava caminhando em direção à porta, ele a chamou, zombou dizendo que era uma freira e a pediu para ficar. Phyl disse que precisava ir embora e perguntou se Cyn iria junto. Ela sabia que Phyl não aprovava John, mas se ele quisesse que ela ficasse, ela ficaria. Cynthia sorriu, como se estivesse pedindo desculpas por ficar. Phyl deu de ombros e seguiu em direção à porta. Eles tomaram mais dois drinques e depois ele sussurrou “Vamos”. Quando saíram do pub, já havia escurecido e a rua estava calma e deserta, então John a beijou. Um beijo longo e apaixonado. Ele disse que seu amigo Stuart tinha um quarto para o qual poderiam ir. Ele apertou sua mão e a puxou estrada abaixo. Cyn estava tão feliz por saber que ele sentia a mesma coisa por ela e por estar com John que, naquele momento, teria ido para qualquer lugar que ele a levasse.
A casa de Stuart era um quarto amplo, sem cortinas, um colchão no chão e roupas, material de pintura, pacotes de cigarro vazios e livros espalhados por todos os lugares. Eles não podiam ter se importado menos com a bagunça. Foram para o colchão e fizeram sexo pela primeira vez, durante toda a hora seguinte. Cynthia viu aquela máscara de durão desaparecer enquanto estavam deitados entregues um ao outro. Quando terminaram, John disse “Caramba, Srta. Powell, isso foi uma coisa e tanto. Que história é essa de estar noiva, então?”. Cyn disse que seu romance havia terminado. John sorriu e confessou que a achava incrivelmente atraente e que a desejara desde o início do semestre. Então, John acrescentou “Aliás, chega de ‘Srta. Powell’. De agora em diante, você é Cyn”.
Cynthia, John e Julian, o único filho do casal
Eles voltaram bruscamente à realidade quando Cynthia percebeu que estava prestes a perder o último trem para casa. Se vestiram às pressas e correram juntos para a estação. Se despediram com um beijo rápido e Cyn entrou no vagão. Enquanto ela acenava da janela, John gritou: “O que você vai fazer amanhã, e no dia seguinte, e no outro dia?”. Ela não pensou duas vezes e gritou de volta: “Ficar com você!”.

Fonte: Beatlepedia

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