terça-feira, 22 de abril de 2014

Biografia revisita a trajetória dos Beatles em 50 momentos marcantes

Um diamante chegou às livrarias. Uma joia de incontáveis quilates aos olhos sempre sequiosos da legião de fãs também conhecidos como beatlemaníacos. É quase uma religião. Trata-se do livro Love me Do – 50 Momentos Marcantes dos Beatles, escrito pelo jornalista inglês Paolo Hewitt. A capa e o acabamento interno já atraem pelo brilho das cores e pelas fotos selecionadas, e as primeiras palavras cativam para a leitura apaixonada (sim, é disso que falamos, de paixão) até a última das 272 páginas.

O autor acerta no conceito: define os Beatles como "gangue" e estende a história do julho de 1957 em que John Lennon conhece Paul McCartney até 1996, quando Paul se junta a George Harrison e Ringo Starr para finalizar e gravar as lindas Free as a Bird e Real Love, composições do falecido John, para o álbum Anthology. Período bem mais extenso que o consagrado "de 1962 a 1970". A expressão "for ever", tão usada para falar na eternidade da melhor banda de rock de todos os tempos, mais que força de expressão e trocadilho com o número four, é um fato. Paul veio tocar no Brasil em 2010, e houve quem o chamasse de "ex-beatle". Errado! Ele é um beatle. O sentimento que os uniu e a perenidade da obra são reais.

O texto de Hewitt conduz o leitor às cenas narradas, o que é um mérito. Há, porém, a ressalva que deve ser dita: o recurso fácil e pouco elegante de revezar nomes e sobrenomes para não repetir uns e outros. Exemplo: John numa frase e Lennon na seguinte.

De qualquer maneira, vamos ao que há de bom na obra. Como poucos que tratam do tema, o livro, mesmo sem deixar de lado as contradições e o perfil demasiado humano dos nossos heróis, dá os seguintes recados: os Beatles eram um grupo de amigos que fizeram da parceria e do carinho mútuo uma forma de viver até surgirem os desentendimentos, cujas mágoas são próprias de irmãos – reza a máxima psicanalítica que quem não gosta não se importa. Suas músicas ecoam até hoje. Mais que isso, dá para se dizer que definir alguma canção como "muito beatle" não é comparação. É selo de qualidade.
Hewitt mostra como tudo isso se deu. Em passagens curtas e simples, dá toda a complexidade das personalidades dos fab four. John era explosivo e violento na adolescência? Buenas, isso fica claro quando ele aparece xingando o público em Hamburgo, chamando-os de "nazistas de merda". Está ali a agressividade que fez os Beatles chegarem a ser definidos como "primeira banda punk" (origem modificada pelo empresário Brian Epstein em 1961), mas também já deixando claro de que lado o líder estava, passados pouco mais que 15 anos da II Guerra.

A parceria de John e Paul era mais que musical. Havia afinidade e cumplicidade, inclusive no fato de serem órfãos de mãe. George? Era o garotinho três anos mais jovem que John e Ringo e dois anos mais novo que Paul. Todos já fomos adolescentes, certo? Sabemos como é natural George se ressentir de ser o menor e de ter composições soberbas desdenhadas pelos mais velhos. Coisas de irmãos, que é o que sempre foram. E Ringo? Foi o último a entrar na turma. Encaixou-se a ela com a perfeição de uma peça única para um motor que, sem ela, não funcionaria. Era a peça que faltava.

No livro, a descrição de Brian Epstein é precisa. Judeu e homossexual, era um outsider. Tentou negar a sexualidade ao sair com garotas para agradar os pais. Até que cansou, assumiu a homossexualidade e disse que queria ser estilista. Escândalo para a comunidade judaica ainda machucada pelo recente Holocausto. Pois a banda o acolheu, e ali ele se sentiu bem. Foi Epstein, o "quinto beatle", que pôs ordem na casa dos garotos e, como empresário, os levou a ser quem são.
Sobre a irreverência inovadora da banda, leia este trecho: "Os norte-americanos estavam completamente despreparados para esse tipo de brincadeira. Os entrevistados nesses eventos – músicos, astros do cinema e assim por diante – sempre seguiam o roteiro. É um prazer estar aqui, é ótimo ver vocês, vou dar um olá para meus fãs, blá-blá-blá, bocejo, bocejo, bocejo." E o tratamento para os fãs? O caso da brasileira Lizzie Bravo, que estava na entrada do estúdio de Abbey Road quando foi chamada para fazer a harmonia de Across the Universe, é citado. Lizzie já contou que eles tratavam os fãs com atenção e conviviam com alegria e brincadeiras.

Um trecho mostra o encontro com a adolescente americana Marsha Albert, que os havia ouvido e alertado para as emissoras de rádio: "'(...) Olá Marsha', disse Paul. 'A boa e velha Marsha', proferiu John e, de forma carinhosa, George a chamou de 'Marsha Mellow'. Parece que o comentário mais pertinente veio de Ringo. Ele simplesmente falou: 'Obrigado Marsha'". De Love me Do (a primeira canção) a Tomorrow Never Knows (a música que o autor define como o marco de entrada na sofisticação), foram poucos anos. Eternos anos de uma gangue que viveu para jamais ser chamada de "ex".

Talvez o espírito do livro esteja nas suas últimas linhas: "McCartney falou em perder 'um irmão caçula' (sobre a morte de George). A amizade dos dois nem sempre foi harmoniosa, mas amor verdadeiro, além de compreensão e aceitação, a marcaram o tempo todo. Um incidente ocorrido durante as gravações de Anthology exemplifica belamente essa colocação. Durante uma sessão, o bate-boca ficou tão acalorado que um engenheiro se sentiu na obrigação de investir a favor de McCartney. Antes que George pudesse responder, Paul mandou um 'Cai fora agora mesmo' para o cara. Então, apontou para George e afirmou: 'Esse homem ainda é um beatle'". E assim termina o texto de Hewitt: "Eles são a gangue que nunca vai morrer".

Love me Do – 50 Momentos Marcantes dos Beatles
> De Paolo Hewitt
> Biografia, tradução Leandro Woyakoski, editora Verus, 272 páginas, R$ 45

Fonte: Zero Hora

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